sábado, 18 de abril de 2020

Um vírus mais perigoso que o Corona


Por: Everton M. de Carvalho

Desde que começaram as notícias acerca desse vírus (até então desconhecido) a comunidade científica se debruçou sobre ele a fim de entender como ele age e como prevenir infecções ou remediar aqueles que forem infectados. Diante do desconhecimento muitos que se dizem formadores de opinião deram total descrédito, a ponto de tal enfermidade se espalhar pelo globo. O fato mais intrigante é que depois de estabelecidos protocolos de prevenção, diante da necessidade de evitar contágios, pois ainda não se sabe como remediar os já contagiados muitos ignoraram tais alertas e usaram de protagonismo político para justificar sua concepção pré-metódica para lidar com tal situação.
Pré-metódico refere-se ao período da infância do método científico, quando este ainda não fora sistematizado e a ciência era apenas uma mera contempladora da natureza e todo discurso que contrariasse a doutrina teocentrista e geocentrista estabelecida até então com base na fé canônica era refutado de pronto. Tal refuta fez com que indivíduos de grandes mentes fossem tidos como hereges, pois simplesmente ousaram desafiar a doutrina estabelecida, Galileu, Da Vinci, Johannes Kepler. Isso sem citar outros grandes nomes do Iluminismo como Descartes, Voltaire.
E o que isso tem a ver com o Corona-Vírus? Aparentemente seria um anacronismo fazer tal associação, mas se todo aquele que se debruçar sobre os fatos não notará diferenças sensíveis entre o que algumas lideranças político-religiosas fazem atualmente e o que o Santo Ofício fazia entre os séculos XIV e XVII. A ciência tal qual conhecemos foi por muito tempo a maior inimiga do sistema político religioso. Tal inimizade começa quando a ordem dos fatos passa a ser questionada, quando alguém ousa se perguntar o porquê das coisas e se liberta das amarras teocráticas e passa a buscar ou propor explicações plausíveis para tal. Essa busca então desencadeia um conhecimento livre, independente das vontades e objetivos do sistema político-religioso.
E por que isso se torna perigoso? Porque o sistema político-religioso passa a combater o discurso científico de frente, uma vez que o conhecimento científico liberta os indivíduos das amarras de tal sistema. Desse modo tudo aquilo que a ciência prega deve ser refutado por esse sistema, a fim de manter consolidada a sua doutrina. A ciência em momento algum desmerece a religião, mas essa não pode permitir aos seus uma crença diferente daquela estabelecida no medium aevum. Pois o “novo” é uma ameaça, a liberdade de pensamento é uma ameaça para um sistema fundamentado na doutrina, na privação do livre pensar, na adestração do agir.
E por que intitula-se o presente texto de “Um vírus mais perigoso que o Corona”? Porque se trata do mais nocivo dos vírus capazes de infectar um ser humano. É o vírus da Irracionalidade, ou em um termo mais enfático, da Burrice. Esse vírus remonta aos tempos da Peste Negra, pois é o vírus da negação à ciência, da crença fidedigna na palavra de um líder político ou religioso ao qual não se questiona a veracidade de seus discursos, a final são autoridades divinamente instituídas. Mas são autoridades que precisam de súditos com a capacidade de raciocínio, de discernimento limitadas para que se perpetuem no poder, pois àqueles que ousam questionar-se acerca da ordem vigente devem caber a ojeriza, ou a fogueira.
E enquanto a ciência se debruça de modo a propor medidas de tornar as mazelas que atingem constantemente a humanidade, estes veem nesse combate uma ameaça, principalmente ao seu domínio, à vigência de sua doutrina. Por isso o vírus da burrice é mais perigoso que o Corona, pois não há como combater, pois o contágio se dá de maneira voluntária, e o contagiado não se reconhece como tal e rejeita qualquer ajuda, preferindo sucumbir numa mentalidade medieval do que permitir-se compartilhar o alvorecer da era das luzes.




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